Opinião
"A vida inteira que podia ter sido e que não foi"
Por Pedro E. Almeida da Silva
Professor Titular da Universidade Federal do Rio Grande
A tuberculose surgiu na África há cerca de 70 mil anos. Vestígios do genoma da bactéria Mycobacterium tuberculosis, obtidos de múmias pré-colombianas, evidenciaram que, ao contrário da sífilis e varíola, esta doença não foi introduzida na América pelos exploradores europeus. Recentemente, foi especulado que a tuberculose possa ter sido introduzida em nosso continente por leões e lobos-marinhos infectados com M. pinnipedii, um parente geneticamente próximo do M. tuberculosis.
No século 19, com a formação das grandes cidades, a tuberculose passou a ser um grande problema de saúde pública. A "peste branca", como a tuberculose era conhecida naquela época, foi romanticamente associada ao estilo de vida e a doença foi tema de pinturas, romances e poesias que retratavam a dor e a melancolia dos doentes. No entanto, esta doença que causa grandes danos a humanidade, não tem nada de romântica, e a frase de Manuel Bandeira que está no poema Pneumotórax, título deste texto, foi elaborada em 1930, época em que o diagnóstico era precário e o tratamento, ineficaz.
Hoje, ao contrário, o diagnóstico laboratorial de qualidade pode ser feito em duas horas e o tratamento com antimicrobianos pode curar quase todos os doentes. Apesar destes avanços, estima-se que anualmente ainda ocorram, em todo o mundo, 10,6 milhões de novos casos e 1,3 milhões de mortes (duas mortes por minuto) devido à tuberculose. No Brasil, um dos países prioritários para controle desta doença, ocorrem anualmente cem mil novos casos, com 11 mil mortos (uma morte por hora), sendo a maioria destas vítimas composta de adultos jovens.
De fato, a frase do poeta ainda é, tragicamente, verdadeira: "A vida inteira que podia ter sido e que não foi". Os principais fatores de risco associados ao desenvolvimento da tuberculose são a desnutrição, alcoolismo, tabagismo, diabete e infecção com o HIV. Este ano, o governo brasileiro, retomando os deveres do Estado para com a saúde da população, especialmente para aqueles socialmente vulneráveis, declarou o controle da tuberculose como uma prioridade e alvo de eliminação como um problema de saúde pública. Além das políticas públicas que visam universalizar o acesso ao diagnóstico de qualidade, promover a adesão ao tratamento e atenuar as causas sociais ligadas a tuberculose, para atingir o objetivo de reduzir o impacto desta doença, é urgente dispor de uma vacina eficaz. A BCG, única vacina disponível, embora seja eficaz para a proteção das formas graves de tuberculose em crianças e, por isso, usada em países com elevado número de casos da doença, tem baixa eficácia na proteção dos adultos.
A Covid surgiu em 2019 e teve a primeira vacina em 2020, salvando milhares de vidas; por outro lado, as novas vacinas para tuberculose estão em desenvolvimento há mais de 20 anos, e ainda não dispomos de uma nova vacina em uso. De fato, há uma enorme discrepância do que foi investido no desenvolvimento de ambas as vacinas. Enquanto, em dois anos, as vacinas para Covid receberam 100 bilhões de dólares, nos últimos vinte anos o investimento em novas vacinas para a tuberculose foi inferior a 100 milhões de dólares (mil vezes menos).
A tuberculose é uma doença estreitamente relacionada à pobreza, e o seu controle necessita de avanços sociais e imprescindíveis reduções da pobreza e eliminação da miséria, mas também são necessárias vacinas que, sendo mais eficazes, possam ajudar a mitigar os danos desta doença anciã.
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